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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Drogas são um desafio de política pública

A terapia ocupacional na abordagem de álcool e outras drogas supõe um vasto conhecimento teórico e prático da equipe que cuida da terapia ocupacional com vistas à recuperação dos dependentes, tendo presente a necessidade de um processo continuo. E tudo feito através da liberdade, expressividade e conscientização. Seguindo o projeto terapêutico, ajudamos a promover nos pacientes a expressão e a reflexão, pela aproximação do fazer através da identificação das necessidades, dificuldades e superação dos conflitos. O paciente deixará transparecer seu momento, seus sentimentos mais interiorizados, sem permitir a interferência do consciente. Para isso é necessário que o terapeuta seja um instrumento facilitador desse processo, ativando a relação dos conflitos para que eles possam ser tratados e superados. É necessária também grande atenção e acolhimento ao lidar com os pacientes, estimulando-os para que se amem, se respeitem e se valorizem. Afinal, só podemos dar aquilo que temos. Como vamos valorizar algo, se não valorizamos a nós mesmos? O uso de drogas se dá em decorrência de um processo da falta de habilidade para lidar com seus sentimentos e comportamentos. Se o paciente parar de usar drogas, mas continuar com comportamentos inadequados, em algum momento ele irá refletir. E se ele não souber lidar com as questões, e continuar a sentir angústia, poderá buscar alguma substância para sentir alívio. Desde criança, aprendemos que ao menor sintoma de dor (de cabeça, dentes, etc) nos é dada uma substância (remédio). Convivemos com a cultura da medicalização. Se você está triste, toma um remédio. Se está com dificuldade de emagrecer, toma outro remédio. As pessoas não querem elaborar suas dificuldades, nem tentam. Apelam para a pílula salvadora. É claro que existem casos em que é necessária a intervenção medicamentosa, mas não para tudo. A medicação vai ajudar em alguns casos, mas não fará uma reflexão de suas angústias por você. Por isso, se faz necessária a mudança de comportamento e a elaboração de conflitos. Buscando o autoconhecimento através das atividades, o que estava velado se revela. E, em conjunto com uma equipe multidisciplinar, trabalhamos para que os pacientes superem suas dificuldades, percebam outras formas de lidar com seus conflitos, com novos padrões de comportamento e outros pensamentos. Ou seja, um novo estilo de vida. Oferecemos aos pacientes um ambiente acolhedor e a possibilidade de serem ouvidos. As atividades de estímulo cognitivo no primeiro momento são de suma importância no tratamento. Através delas, os pacientes obtêm melhora na atenção, concentração e memória — campos afetados pelo uso abusivo de drogas. O próprio paciente percebe sua capacidade de construir e socializar. Nas oficinas terapêuticas ocupacionais, quando constrói algo concreto, ele se constrói também, estimulando e motivando as relações para si e para o grupo. As atividades podem ser em grupo (dirigidas ou livres) ou individuais. Os exercícios nos possibilitam trabalhar questões isoladas, aspecto emocional, psicossocial, questões específicas e pessoais do paciente, que tende a perder o papel ocupacional, as habilidades funcionais, o interesse por atividades que até então estavam presente em seu cotidiano. Além disso, é comum a mudança de comportamento, alterações em todas ou quase todas as atividades que fazem parte de sua rotina de vida. Assim, o terapeuta ocupacional possibilita a promoção e o desenvolvimento de habilidades, resgate de atividades deixadas de lado, e a reafirmação de papéis ocupacionais, proporcionando um despertar no indivíduo a uma vida saudável, melhorando com isso sua autoestima e consequentemente valorizando esse despertar, para uma nova possibilidade de vida. A importância do tratamento com a família, muitas vezes adoentada, o não saber lidar com os problemas, situações que envolvem o paciente, levam-no a sentimentos de angústia, medo, frustrações, depressão. Faz-se necessário, então, o acolhimento da equipe, para juntos trabalhar para enfrentar a situação. A família deve procurar ajuda, mesmo que o paciente não deseje ser tratado. Assim, a família torna-se a ponte entre o paciente e a equipe de tratamento. Hoje temos os Centros de Atenção Psicossociais para Álcool e Drogas (CAPS-AD), onde existe o olhar de toda a equipe multidisciplinar, para oferecer ao paciente a melhor proposta de tratamento, e, quando este está envolvido, dar acesso a suas questões. A internação compulsória, diante da minha experiência como terapeuta ocupacional, não é indicada. Isso porque quebramos toda possibilidade de o paciente fazer parte deste processo. Com a internação, ele entende essa ação como algo punitivo, afastando toda possibilidade de se perceber e aderir ao tratamento, afastando a corresponsabilidade deste no projeto de tratamento. O que a sociedade quer? Tratar pessoas ou resolver o problema visual das ruas, a chamada higienização? Temos que trabalhar com intersetorialidade, tirar pessoas das ruas não é a questão. A real necessidade consiste na implementação de política pública intersetorial de qualidade para a população. *Adriana Araújo Lisboa é terapeuta ocupacional do Centro de Atenção Psicossocial de Itaguaí, na Baixada Fluminense. Dúvidas sobre dependência química podem ser enviadas para esta seção pelo e-mail drogaseduvidas@jb.com.br

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